2 de out. de 2009

a mão deformada de Django Reinhardt e seu jazz gitano


28 de set. de 2009

Meu coração bate o sino dos dias

Como não sei o que dizer, simplifico tudo em imagens: o poente e a igreja pertencem a uma cidade desse interior que vivi da janela de meu quarto de hotel: sobre o resto, nem preciso escrever:

- roteiro para assistir os videos abaixo: ao tempo que o video do youtube despeja sua música, assista ao primeiro filme: o poente. Depois, desligue qualquer forma de música ou rúido e assista o segredo do segundo filme. Beijos da L.



segundo video: música de torre

13 de set. de 2009

7 de set. de 2009




eu queria escrever esse poema de chuva para livrá-la de todo cansaço inútil, eu que te acho mais bonita que a lenda do boto e de quem escuto, todos os dias, que temos que aprender a lapidar aquilo que em nós é o divino espírito santo de uma varanda com pomar de conchas,

...
Temo que amanhã eu acorde e v. tenha bordado as velas da nau.

Temo que a última cena seja essa:

Primeiro v. dirá, A arquitetura do desespero e do medo, só o que teus olhos sabem decifrar. Teu coração bate o luto dos dias.

Depois prepara o café enquanto cola selos em postais de despedida, Esse é para meu pai que, mesmo morto, ainda martela, em meus sonhos, a rigidez e a palmatória.

FIM.

4 de set. de 2009

hoje queria ser a sombra de uma poeta (porq estou triste de lembranças!). ela, alfonsina, que morreu no mar, a sua dor sua, insuportável até os ossos, fez com que entrasse no mar até que o oceano entrasse nela. Aqui o seu último poema. e uma música fenomenal que conta a sua história triste, porém belíssima. A., nos te amamos.

seu último poema:

VOY A DORMIR
Dientes de flores, cofia de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.

Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara a la cabecera;
una constelación; la que te guste;
todas son buenas; bájala un poquito.

Déjame sola: oyes romper los brotes...
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases

para que olvides... Gracias. Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido...




trecho da novela "Eu queria ser aquela sombra que o chapéu faz em tua clavícula".
para p. lira


vou sonhar a pedra do teu coração feito um martelo no linho obscuro da pérola
quem chorou o muro das lamentações
intui que a eternidade é a loucura longínqua de facas atravessadas Ela entra no céu por uma greta atravessada naquela nuvem: se deus falasse, ficaria calado: ela é o próprio mistério dos sinos todos de todas as catedrais de todos os mistérios transversais atravessados na memória: à noite ela deita a tessitura da cervical na grama fria: eu queria atravessar teu peito com esse arpão sagrado que é a palavra, então escrevo esse cavalo árabe que não morrerá comigo: nasço o abismo floral de todo escuro: um tigre doente habita o meu peito frio E se casei com a noiva da neve, foi para que me soprasse: o gelo: no gelo do coração: a língua gelada na nuca d’aço-frio: as minhas mãos: que mais algas marinhas: encharcariam: num concerto de rachmaninoff: a peixe todo o municipal. Assim ela entraria em meu coração: com o sono do chuveiro espalhado na pele, vestiria toda a nudez quando sai da toalha molhada e atravessa o filme do Fellini já gagá entre a névoa: filma essa música espalhada na paisagem: um deus decaído, que se falaria, preferiria ficar calado, chupa a chuva na tua coxa com brincos de coral e pérola caindo das orelhas: o arpão da língua a atravessa até o infinito: se te falo: todo o livro é uma declaração de amor, foi porq chorei esses versos ainda hoje quando entravas no esquecimento de um dia de tédio: o tédio já é o deus cansado de sua falta do que dizer pois pode que ele desconheça a melancolia, e o amor: eu entro no quarto com o chapéu de chuva atravessado com violinos de Béla Bartók: ela não acende algum cigarro: não pensa nas lamas do führer: eu bebo a água acumulada na sua clavícula:

30 de ago. de 2009

Na primeira vez em que ela choveu por aqui – o essenfelder emanava do rádio cansado da tarde –, toda angorá, com sua saia, suas coxas, fui às casas Bahia: levar o dedo através do pó dos móveis. O dia morreu nela.

Na segunda em que ela aqui apareceu, toda suja de Manuel Bandeira, eu bebia um copo de graxa com o prefeito.

À terceira vez ela entrou no mar. À noite sonhei com generais que ardiam na fogueira.

28 de ago. de 2009

Ela diz que usa sabonete lux. Toda tarde a tarde toda
o sabonete no sono do sexo. – Se o automóvel cansado morrer para sempre, é possível que escutamos, no lado claro do coração, o som que o sabonete faz na folhagem escura entre as coxas.

Depois do gozo, reza a um deus desmemoriado, ao deus que esqueça, no seu sexo impecavelmente lavado, a língua molhada.





15 de ago. de 2009

Nono mandamento, primeira confissão:

Eu me deito, todos os dias, com o saltimbanco dessa zorra toda, Barrabás, e ele chora, nas falhas de meu pensamento, o orvalho de seu labirinto. Depois ligo o rádio e o coral de Monteverdi destroça os barcos na praia.


11 de ago. de 2009

Descobri, em mim, duas tendências. Uma, estimar as idéias religiosas ou filosóficas por seu valor estético e, ainda, pelo que encerram de singular e maravilhoso. Outra, a de pressupor, e verificar, que o número de fábulas ou metáforas de que é capaz a imaginação dos homens é limitado; mas que essas invenções contadas podem ser tudo para todos.

Borges.

1 de ago. de 2009

Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive. A guerra contra os privilégios nunca terá fim. Sua próxima grande campanha será a guerra contra os privilégios especiais dos desprivilegiados. A democracia é a arte de administrar o circo à partir da jaula dos macacos. Quanto mais esperto o político, em mais coisas ele acredita - e menos acredita em qualquer delas.


H. L Mencken

24 de jul. de 2009

Movimentos do coração da Priscila:

9 de jul. de 2009



A NEVE NA NÉVOA

Capítulo 1

... lembro-me do arrozal rajado de tigres em que adormecia a olhar o céu. Minha única tarefa, nesse mosteiro com neve pelo telhado, é varrer os cacos do buda para debaixo da chuva. Daqui pode-se ouvir, mais abaixo, a missa das melancias. Mais para o poente escutamos o silêncio do poço do mosteiro. Se mirar dessa janela observamos, ainda, a ciranda das andorinhas, pois agora é quase amanhã. E há um louco que atira pedras na vidraça. Um sacerdote vem nos contar, todos os dias de finados, que sonhou que rolava uma imensa cabeça ladeira acima e que, lá no topo, a cabeça voltava a descer e ele, o sacerdote, recomeçava o eterno castigo. E assim, nessas enevoadas tardes observo, dos livros da biblioteca, o imóvel. A madre superior, sempre que percebe que a cárie fede em sua boca, ordena o castigo abrupto: bebam desse mar gelado o sal que ele, o mar gelado, é, nada mais, nada menos, que a vossa própria sede. Depois ordena que descansamos as mãos na ária da lira. O sacerdote, que sonha eternamente que rola eternamente uma cabeça morro acima, pede que tocamos, no rádio, dentro da névoa, quartetos de Béla Bartók. O que reclamamos muito, pois sabemos, a pele da música, em sua essência, não me lembro se foi Schopenhauer quem falou, é intocável, e quartetos na névoa é um mistério insuportável. Eu gosto muito é de ler, dos livros proibidos, histórias de mulheres que, à beira do Saara, bebiam, da moringa, a água. Depois, sob severos açoites da madre por ler livros proibidos, adormeço e sonho que beijo a neve dos cabelos daqueles velhos da Boca Maldita. De um deles carrego a dentadura cravada no flanco, pois ele me chupou a coxa, o brinco, a barata do esgoto. E assim são os dias no mosteiro de Dramásio, num filme não iniciado de Federico Fellini, com pomar de pêssegos e rosários de farpas, amém.
LÍDIA

Procurávamos, um tanto insanos, os haréns esquecidos de Al Kaban, o terrível, e encontramos templos repletos de caveiras amontoadas, dentes de ouro, arabescos de torturas, uma harpa, duzentos olhos de vidros, fósforos Cavalo, um cartaz de wings of desire, de Win Wenders, e nos deparamos com o seguinte anunciado – este estava grafado a sangue de ninfa: e há quem reze a um deus para depois esquecer-se dele.

Súbito a névoa me tomou o coração que já era, por sua natureza selvagem, decepado em rosário de farpas. É claro que para muitos do grupo essa “névoa” não passou de um assombro instantâneo, esquecido logo no momento em que um deles se atirou voraz a arrancar os dentes de ouro das dentaduras, mas não, eu não poderia mover o meu espanto para outra cena qualquer, o que meu espírito queria, e pasmem lá, nem é tão livre assim, feito lesse ele, meu espírito, o livro de mortalhas de algum tirano de 1600, século em que mulheres nasciam para o sacrifício do evangelho, pasmem lá, era recordar dela, da Lídia, a de olhos de Ulisses, a arquitetura daqueles longos cabelos, a maneira de verter, no jarro, o silêncio.

O que desejei, ao olhar o arabesco que ardia em minhas retinas, eram constelações de violoncelos que, na neblina, executavam quartetos de Béla Bartók. Eu, Lídio, que tenho em meu pesadelo freiras caducas que bebem, da moringa, a água.

Ó Lídia, tuas mãos no essenfelder, minha alma no abandono daquelas manhãs, e um louco que difere cabeçadas no casco da barcaça.

Há quem ama uma mulher para depois esquecer-se dela. Eu, que todas as tardes recolho o barco, limpo o peixe, abano as moscas do pescado, depois bebo cachaça onde o mar esquece de molhar, não faço nada mais que recordar, da Lídia, o movimento do quadril. Aquela, maluca!, que tem os olhos feito que colhidos da amendoeira.

Seus acordes eu sentia na cervical – quase indolor.

e há quem reze a um deus para depois esquecer-se dele. Eu lembro de Lídia para depois esquecer dela. Esquecer do dia em que ela sentiu a fina faca na nudez da nuca, o dia em que mirou, pela vez última, parágrafos de Guimarães Rosa. Era tão bela a Lídia, sua voz, um rádio cansado, seus olhinhos apodrecendo.

Eu existo aqui, nessa ilha de sonâmbulos marinheiros, mas meu coração neva em outro lugar.

O que alguém precisa entender, que não precisa ser você, leitor machadiano, é que matei Lídia para depois me esquecer dela, ou até o dia em que eu, Lídio de meu nome, voltar a ser o pó que sou, em um tempo qualquer, em algum lugar qualquer, esquecido para sempre, pois haverá quem se lembre de mim para depois me esquecer.

E o que tem Al Kaban com isso? Nada. Apenas reza a lenda, e já sabemos, há quem reza..., que ele, o imperador, amou o pó para, depois, esquecer o pó que era, e que ao pó voltaria.

27 de jun. de 2009

"Quando Ciro da Pérsia conquistou a Lídia, apoderou-se de sua grande riqueza e nomeou Creso como seu conselheiro, depois de evitar que esse se suicidasse atirando-se em uma grande pira."




26 de jun. de 2009


Rayuela - Capítulo 7

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.



Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.
Saiu a edição de junho de Escritoras Suicidas, visite:

www.escritorassuicidas.com.br

25 de jun. de 2009




lídia pode atravessar o silêncio dos muros

Lídia pode atravessar o silêncio dos muros

se dentro de si



não houver



o negrume da sobrancelha de Hitler

a dentadura amarela dos fariseus

cardume de tainhas surdas



se houver

oceano

20 de jun. de 2009

Ver este curta de ZBIGNIEW RYBCZYNSKI, qual o nome já é a catástrofe de toda uma constelação. Aqui, cena a cena, a idéia de Z., talvez, o eterno retorno, a última névoa de Nietzsche, se mostra no cotidiano desastrado e poético desse vídeo de 1982.


17 de jun. de 2009

Retirado en la paz de estos desiertos,
con pocos, pero doctos libros juntos,
vivo en conversación con los difuntos
y escucho con mis ojos a los muertos.


Quevedo !1580-1645!


1 horror de Bergman à solidão

Feliz

Ele me diz:

Antes da primeira vela se acender, a vela já estava acesa.
Antes do primeiro assassínio, o mal já habitava em Macbeth, o terrível.
Antes de Deus, havia Deus que pensava o Deus.

Eu afogo gatos na pia batismal. Planto xícaras de sal nos corações dos santos.

Prefiro atirar a louça no muro a lavá-la.

Ele difere cabeçadas no ladrilho. Pensa que Deus, assim como a vida, não passa de uma cena de Kurosawa onde, no fim, apenas a fumaça no ego da paisagem.

Intui que só o poderia salvar o piano de Chopin afinado contra a neblina da tarde. Vai até o rádio e percebe que não funciona. Eu, que não gosto de faxina, prefiro quebrar as coisas a limpá-las com o ardor de mulher casada.

Estou entontecida de tudo que me dizem por aí. Uns dizem que afogar gatos na pia baptismal é cinema, outros me batem com o gato morto na cara. Outros têm ares de tumba. Alguns escolhem ostras no cais.

O padre me excomunga, embora goste de chupar minha coxa, meu brinco. Depois me bate com lavadas de água benta.

Para ele é terrível o silêncio dos livros, por isso lê incansavelmente. Mas tem engordado consideravelmente e já não se importa com as marcas que o padre me deixa na coxa.

A ele só importa, agora, este último copo, este que ele usa para guardar, todas as noites, sua dentadura feliz.




ROSÁRIO

Antes que floresça em mim a névoa, confidencio, nestas linhas que traço atrás desse retrato antigo de minha mãe, o meu abismo.

Cedo aprendi a ler a neve.

Meu pai, que era açougueiro, quando não conseguia disfarçar a carniça que fedia na boca, me batia com o bife na cara. – Quando me penetrava entre as nádegas o casco de pinga eu pensava que ele tendia a esgoto.

Cedo me ensinou a abanar as moscas do açougue.

Um dia, no túmulo de sua alma, o nojo disse que a morte, esse fracasso, seria um dia o seu cárcere. Um dia antes de deixar para minha mãe 3 semanas de luto, me confidenciou o seguinte epitáfio: o escuro da tumba onde me enterraram pratico toda uma inexistência.

Com a morte de meu pai as moscas, enfim, tomaram o açougue.

Meu sonho, em particular, sempre foi desempenhar ao essenfelder a Balada n°1 de Chopin. Mas o que me restou, depois que minha mãe se casou com o leiteiro, foi desfiar esse rosário de farpas que, pasmem, passa pela família desde o século das torturas.

Agora, anos depois da morte de minha mãe, me restam na frágil memória as histórias que me contava sobre esse rosário e sobre generais antigos que decretaram a queima dos livros.

O fato é: esse rosário, que tem a forma de um coração decepado, que aprendi a desfolhar diariamente, num rito quase doentio de um tempo pueril, pois era, não como desejo, mas sim ordem, ordem de minha amada mãezinha, me escravizou as mãos, ou melhor, corroeu uma e me decapitou a outra.

Nunca, mesmo em sonho, toquei alguma tecla sequer ao piano.

No final dessas confissões me resta dizer que pressinto meu fim. Sinto que me cresce o musgo sob a língua e a neve, que cedo aprendi a ler, tem me segredado, com cochichos no ouvido, que a morte nada mais é que esse fracasso de esquecer e silenciar para sempre aquele grito que nunca tivemos a ousadia de soltar, aquele livro que sempre tivemos preguiça de escrever, aquela mulher que sempre queríamos escutar por horas o silêncio.

E este rosário de farpas pontiagudas? Resta agora ao meu filho dar continuidade à tradição secular. Resta a ele a memória de seu pai, do pai de seu pai e assim por diante. Se, em algum momento, tiver o mesmo sonho de acariciar o essenfelder ou de lamentar as noites na viola-de-gamba ou tocar com a pele suave das mãos o seio da mulher amada, desista, seu destino não foi lançado feito as garrafas que os enamorados jogam no oceano, seu destino já foi traçado antes mesmo de meu nascimento, e só a ele cabe esta dolorosa porém nobre incumbência, a de decifrar esse rosário que receberá dentro dessa caixinha-de-música.

– Meu filho, que seus dias sejam longos e brancos.

16 de jun. de 2009

Fielmente acredito que não há metáfora. Recito, no meio da noite, a frase “música de poço” e em algum lugar no centro de Istambul um poço musical.

A claridade de um pensamento ruim avassala os olhos. Para que possamos ler a neve sem que a vida finde com o fim do inverno tardio convido-os a assistir este curtametragem de Eisenstein, o divino.


Dedico essa ventania sagrada a meu amigo Karl.

15 de jun. de 2009

Hilda, em memória de nossas noites orgíacas, um beijo na nuca perfumada outro no tormento dos sonhos sombrios.

Tua Lídia.