27 de jun. de 2009

"Quando Ciro da Pérsia conquistou a Lídia, apoderou-se de sua grande riqueza e nomeou Creso como seu conselheiro, depois de evitar que esse se suicidasse atirando-se em uma grande pira."




26 de jun. de 2009


Rayuela - Capítulo 7

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.



Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.
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25 de jun. de 2009




lídia pode atravessar o silêncio dos muros

Lídia pode atravessar o silêncio dos muros

se dentro de si



não houver



o negrume da sobrancelha de Hitler

a dentadura amarela dos fariseus

cardume de tainhas surdas



se houver

oceano

20 de jun. de 2009

Ver este curta de ZBIGNIEW RYBCZYNSKI, qual o nome já é a catástrofe de toda uma constelação. Aqui, cena a cena, a idéia de Z., talvez, o eterno retorno, a última névoa de Nietzsche, se mostra no cotidiano desastrado e poético desse vídeo de 1982.


17 de jun. de 2009

Retirado en la paz de estos desiertos,
con pocos, pero doctos libros juntos,
vivo en conversación con los difuntos
y escucho con mis ojos a los muertos.


Quevedo !1580-1645!


1 horror de Bergman à solidão

Feliz

Ele me diz:

Antes da primeira vela se acender, a vela já estava acesa.
Antes do primeiro assassínio, o mal já habitava em Macbeth, o terrível.
Antes de Deus, havia Deus que pensava o Deus.

Eu afogo gatos na pia batismal. Planto xícaras de sal nos corações dos santos.

Prefiro atirar a louça no muro a lavá-la.

Ele difere cabeçadas no ladrilho. Pensa que Deus, assim como a vida, não passa de uma cena de Kurosawa onde, no fim, apenas a fumaça no ego da paisagem.

Intui que só o poderia salvar o piano de Chopin afinado contra a neblina da tarde. Vai até o rádio e percebe que não funciona. Eu, que não gosto de faxina, prefiro quebrar as coisas a limpá-las com o ardor de mulher casada.

Estou entontecida de tudo que me dizem por aí. Uns dizem que afogar gatos na pia baptismal é cinema, outros me batem com o gato morto na cara. Outros têm ares de tumba. Alguns escolhem ostras no cais.

O padre me excomunga, embora goste de chupar minha coxa, meu brinco. Depois me bate com lavadas de água benta.

Para ele é terrível o silêncio dos livros, por isso lê incansavelmente. Mas tem engordado consideravelmente e já não se importa com as marcas que o padre me deixa na coxa.

A ele só importa, agora, este último copo, este que ele usa para guardar, todas as noites, sua dentadura feliz.




ROSÁRIO

Antes que floresça em mim a névoa, confidencio, nestas linhas que traço atrás desse retrato antigo de minha mãe, o meu abismo.

Cedo aprendi a ler a neve.

Meu pai, que era açougueiro, quando não conseguia disfarçar a carniça que fedia na boca, me batia com o bife na cara. – Quando me penetrava entre as nádegas o casco de pinga eu pensava que ele tendia a esgoto.

Cedo me ensinou a abanar as moscas do açougue.

Um dia, no túmulo de sua alma, o nojo disse que a morte, esse fracasso, seria um dia o seu cárcere. Um dia antes de deixar para minha mãe 3 semanas de luto, me confidenciou o seguinte epitáfio: o escuro da tumba onde me enterraram pratico toda uma inexistência.

Com a morte de meu pai as moscas, enfim, tomaram o açougue.

Meu sonho, em particular, sempre foi desempenhar ao essenfelder a Balada n°1 de Chopin. Mas o que me restou, depois que minha mãe se casou com o leiteiro, foi desfiar esse rosário de farpas que, pasmem, passa pela família desde o século das torturas.

Agora, anos depois da morte de minha mãe, me restam na frágil memória as histórias que me contava sobre esse rosário e sobre generais antigos que decretaram a queima dos livros.

O fato é: esse rosário, que tem a forma de um coração decepado, que aprendi a desfolhar diariamente, num rito quase doentio de um tempo pueril, pois era, não como desejo, mas sim ordem, ordem de minha amada mãezinha, me escravizou as mãos, ou melhor, corroeu uma e me decapitou a outra.

Nunca, mesmo em sonho, toquei alguma tecla sequer ao piano.

No final dessas confissões me resta dizer que pressinto meu fim. Sinto que me cresce o musgo sob a língua e a neve, que cedo aprendi a ler, tem me segredado, com cochichos no ouvido, que a morte nada mais é que esse fracasso de esquecer e silenciar para sempre aquele grito que nunca tivemos a ousadia de soltar, aquele livro que sempre tivemos preguiça de escrever, aquela mulher que sempre queríamos escutar por horas o silêncio.

E este rosário de farpas pontiagudas? Resta agora ao meu filho dar continuidade à tradição secular. Resta a ele a memória de seu pai, do pai de seu pai e assim por diante. Se, em algum momento, tiver o mesmo sonho de acariciar o essenfelder ou de lamentar as noites na viola-de-gamba ou tocar com a pele suave das mãos o seio da mulher amada, desista, seu destino não foi lançado feito as garrafas que os enamorados jogam no oceano, seu destino já foi traçado antes mesmo de meu nascimento, e só a ele cabe esta dolorosa porém nobre incumbência, a de decifrar esse rosário que receberá dentro dessa caixinha-de-música.

– Meu filho, que seus dias sejam longos e brancos.

16 de jun. de 2009

Fielmente acredito que não há metáfora. Recito, no meio da noite, a frase “música de poço” e em algum lugar no centro de Istambul um poço musical.

A claridade de um pensamento ruim avassala os olhos. Para que possamos ler a neve sem que a vida finde com o fim do inverno tardio convido-os a assistir este curtametragem de Eisenstein, o divino.


Dedico essa ventania sagrada a meu amigo Karl.

15 de jun. de 2009

Hilda, em memória de nossas noites orgíacas, um beijo na nuca perfumada outro no tormento dos sonhos sombrios.

Tua Lídia.